Tatiana Spagnolo explica sobre Herança Digital no Direito Brasileiro

Herança Digital no Direito Brasileiro: qual instrumento processual deve ser usado?

Advogada, Professora Acadêmica e Mentora para Jovens Carreiras Jurídicas.​
Tatiana Spagnolo

Advogada, Professora Acadêmica e Mentora para Jovens Carreiras Jurídicas.

Um assunto que tem despertado a atenção dos processualistas e civilistas é a herança digital, tema ainda sem previsão legal expressa no ordenamento jurídico brasileiro.

Herança digital é o conjunto de bens, direitos e obrigações que uma pessoa deixa no ambiente online após a morte, incluindo contas, arquivos, criptomoedas e dados pessoais.

Essa herança se divide em três categorias:

  • Bens patrimoniais: possuem valor econômico e podem ser transmitidos.
    Exemplos: criptomoedas, contas bancárias online, domínios e websites, créditos em aplicativos de fidelidade ou jogos.
  • Bens existenciais: têm valor pessoal ou afetivo, sem conteúdo econômico direto.
    Exemplos: perfis de redes sociais, e-mails e mensagens, fotos e vídeos, conversas privadas.
  • Bens híbridos: mesclam valor patrimonial e existencial.
    Exemplos: canais de streaming e perfis monetizados em redes sociais.

No Brasil, a ausência de legislação específica sobre herança digital gera insegurança jurídica, mas a jurisprudência do STJ tem evoluído, reconhecendo a possibilidade de acesso a bens digitais no inventário e reforçando a importância do testamento digital para garantir a vontade do titular.

Qual é o instrumento processual adequado para a herança digital?

Diante da falta de lei específica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o caminho processual adequado no julgamento do Recurso Especial nº 2.124.424 (REsp 2124424).

Segundo a decisão, deve ser instaurado um incidente processual próprio, denominado Inventário Digital, no qual será nomeado um “inventariante digital”.

Trecho do entendimento do STJ:

“Na hipótese de o falecido deixar bens digitais aos quais os herdeiros não tenham a senha de acesso, necessário se faz a instauração de incidente processual de identificação, classificação e avaliação de bens digitais, paralelo e apensado ao processo de inventário.”

Fonte:REsp 2124424 – STJ (link oficial)

Como Funciona o Inventário Digital?

O inventário digital é um incidente processual associado ao inventário tradicional. Enquanto o inventário normal possui um inventariante, o inventário digital contará com um inventariante digital, profissional com conhecimento técnico em segurança e dados digitais, nomeado pelo juízo.

Esse profissional auxiliará o juiz na busca, identificação e classificação dos bens digitais armazenados em dispositivos do falecido.

Somente após o levantamento completo dos bens digitais é que ocorrerá a partilha digital, observando os mesmos critérios aplicáveis ao inventário comum.

Trechos Relevantes da Decisão do STJ (REsp 2124424)

“(…) é dever do juiz se cercar de todos os cuidados e garantias para compatibilizar, de um lado, o direito dos herdeiros à transmissão de todos os bens do falecido; de outro, os direitos de personalidade, especialmente a intimidade do falecido e de terceiros.”

“O incidente processual será conduzido pelo juiz do inventário, que deverá ser assessorado por profissional com expertise digital adequada para buscar bens digitais, denominado inventariante digital.”

“A proposta de que o acesso se dê mediante incidente processual não caracteriza ativismo judicial e está alicerçada em interpretação analógica com outros institutos processuais.”

Importância do Precedente e Impactos Práticos

A decisão do STJ no REsp 2124424 serve como referência jurídica até que haja norma específica sobre o tema.

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O entendimento garante segurança aos herdeiros, compatibilizando o direito à sucessão com o direito à privacidade digital, ambos protegidos pela Constituição Federal. Para os advogados, compreender esse precedente é essencial para:

  • Orientar famílias sobre a necessidade de planejamento sucessório digital;
  • Atuar com segurança nos pedidos de acesso a bens digitais;
  • Prevenir conflitos entre herdeiros e provedores de tecnologia.

Enfim, mais uma vez o direito se mostra muito mais dinâmico do que o conjunto de leis que rege a conduta em sociedade, sendo necessária a interpretação e a integração de todo o conjunto de normas e regras a fim de bem efetivar um direito a herança digital é uma dessas situações.

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