Um assunto que tem despertado a atenção dos processualistas e civilistas é a herança digital, tema ainda sem previsão legal expressa no ordenamento jurídico brasileiro.
Herança digital é o conjunto de bens, direitos e obrigações que uma pessoa deixa no ambiente online após a morte, incluindo contas, arquivos, criptomoedas e dados pessoais.
Essa herança se divide em três categorias:
- Bens patrimoniais: possuem valor econômico e podem ser transmitidos.
Exemplos: criptomoedas, contas bancárias online, domínios e websites, créditos em aplicativos de fidelidade ou jogos. - Bens existenciais: têm valor pessoal ou afetivo, sem conteúdo econômico direto.
Exemplos: perfis de redes sociais, e-mails e mensagens, fotos e vídeos, conversas privadas. - Bens híbridos: mesclam valor patrimonial e existencial.
Exemplos: canais de streaming e perfis monetizados em redes sociais.
No Brasil, a ausência de legislação específica sobre herança digital gera insegurança jurídica, mas a jurisprudência do STJ tem evoluído, reconhecendo a possibilidade de acesso a bens digitais no inventário e reforçando a importância do testamento digital para garantir a vontade do titular.
Qual é o instrumento processual adequado para a herança digital?
Diante da falta de lei específica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o caminho processual adequado no julgamento do Recurso Especial nº 2.124.424 (REsp 2124424).
Segundo a decisão, deve ser instaurado um incidente processual próprio, denominado Inventário Digital, no qual será nomeado um “inventariante digital”.
Trecho do entendimento do STJ:
“Na hipótese de o falecido deixar bens digitais aos quais os herdeiros não tenham a senha de acesso, necessário se faz a instauração de incidente processual de identificação, classificação e avaliação de bens digitais, paralelo e apensado ao processo de inventário.”
Fonte:REsp 2124424 – STJ (link oficial)
Como Funciona o Inventário Digital?
O inventário digital é um incidente processual associado ao inventário tradicional. Enquanto o inventário normal possui um inventariante, o inventário digital contará com um inventariante digital, profissional com conhecimento técnico em segurança e dados digitais, nomeado pelo juízo.
Esse profissional auxiliará o juiz na busca, identificação e classificação dos bens digitais armazenados em dispositivos do falecido.
Somente após o levantamento completo dos bens digitais é que ocorrerá a partilha digital, observando os mesmos critérios aplicáveis ao inventário comum.
Trechos Relevantes da Decisão do STJ (REsp 2124424)
“(…) é dever do juiz se cercar de todos os cuidados e garantias para compatibilizar, de um lado, o direito dos herdeiros à transmissão de todos os bens do falecido; de outro, os direitos de personalidade, especialmente a intimidade do falecido e de terceiros.”
“O incidente processual será conduzido pelo juiz do inventário, que deverá ser assessorado por profissional com expertise digital adequada para buscar bens digitais, denominado inventariante digital.”
“A proposta de que o acesso se dê mediante incidente processual não caracteriza ativismo judicial e está alicerçada em interpretação analógica com outros institutos processuais.”
Importância do Precedente e Impactos Práticos
A decisão do STJ no REsp 2124424 serve como referência jurídica até que haja norma específica sobre o tema.
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O entendimento garante segurança aos herdeiros, compatibilizando o direito à sucessão com o direito à privacidade digital, ambos protegidos pela Constituição Federal. Para os advogados, compreender esse precedente é essencial para:
- Orientar famílias sobre a necessidade de planejamento sucessório digital;
- Atuar com segurança nos pedidos de acesso a bens digitais;
- Prevenir conflitos entre herdeiros e provedores de tecnologia.
Enfim, mais uma vez o direito se mostra muito mais dinâmico do que o conjunto de leis que rege a conduta em sociedade, sendo necessária a interpretação e a integração de todo o conjunto de normas e regras a fim de bem efetivar um direito a herança digital é uma dessas situações.



