AUTOS PERDIDOS NA ENCHENTE? ENTENDA COMO O CPC RESOLVE O PROBLEMA

por Tatiana Spagnolo 16 maio 2025 às 09:55

AUTOS PERDIDOS NA ENCHENTE? ENTENDA COMO O CPC RESOLVE O PROBLEMA

O Rio Grande do Sul, em maio de 2024, teve um evento climático desastroso em todos os sentidos, e não foi diferente com centenas de milhares de processos que estavam no Arquivo Judicial, que foi atingido pela enchente.

Mas você pode pensar: Era processos findos ou já digitalizados, em tese não teriam muita utilidade.  Entretanto, vários jurisdicionados ficaram literalmente “a ver navios” quando necessitaram acessar os autos físicos. E aqui cito dois exemplos com os quais me deparei no escritório.

O primeiro deles, trata-se de um processo de oferta de alimentos que tramitou há dez anos, teve acordo homologado e foi baixado.   Ocorre que o cliente foi chamado pela Receita Federal, para comprovar o título judicial que dá origem aos alimentos.   Fomos ao Poder Judiciário requerer o desarquivamento dos autos, quando fomos informados que o processo tinha sido atingido pela enchente e não existia mais.

O segundo processo, ainda em andamento, que teve decisão de mérito e depois liquidação de sentença por artigos, quando foi digitalizado, foi parcialmente, e ao sermos intimados da digitalização, observamos que toda parte da liquidação não foi digitalizada.  Fizemos a petição solicitando que o restante do processo fosse digitalizado, quando nos deparamos com a resposta que os autos físicos estavam no arquivo judicial e se perderam na enchente.

Esse dois exemplos são apenas para demonstrar que os autos, mesmo depois de findo o processo, ou mesmo depois de digitalizados, ainda podem necessitar de sua visualização física, o que não pode ocorrer nesses dois casos.

 

Disso surge o questionamento:  o que acontece se autos do processo forem perdidos ou destruídos?

O Código de Processo Civil brasileiro tem uma resposta para isso: se chama  o procedimento de restauração de autos.

Neste artigo, vamos explicar o que é a restauração de autos, quando ela é aplicada e como funciona na prática, tudo de forma clara e direta.

O que são os autos e por que eles são tão importantes?

Os autos de um processo são o conjunto de documentos que registram tudo o que foi feito dentro daquela ação: quem processou quem, por quê, o que foi pedido, as defesas apresentadas, as provas, os despachos do juiz e, por fim, a decisão judicial.

Em outras palavras, os autos são a memória do processo. Sem eles, fica impossível dar continuidade à ação, saber o que já foi decidido ou garantir os direitos das partes.

Quando é necessário restaurar os autos?

A restauração de autos ocorre quando, por algum motivo, os documentos do processo são extraviados (ou seja, desaparecem) ou destruídos, seja de forma parcial ou total. Isso pode acontecer em processos físicos (ainda comuns em algumas regiões) ou mesmo em eletrônicos, em casos de falha no sistema.

Nessas situações, a lei prevê um procedimento especial para reconstruir os autos e permitir que o processo continue normalmente, respeitando os direitos das partes envolvidas.

O que diz o Código de Processo Civil?

O CPC de 2015, nos artigos 712 a 718, trata detalhadamente da restauração de autos. Veja alguns pontos principais:

Quem pode pedir: A parte interessada, o Ministério Público ou até o próprio juiz pode iniciar a restauração.

Quais documentos usar: Cópias das petições, despachos, provas e decisões que as partes ou seus advogados tiverem guardado são fundamentais. Até documentos fornecidos por terceiros podem ser usados.

Outros meios de prova: Se não houver documentos suficientes, é possível usar prova oral — testemunhas que ajudem a reconstituir o que foi feito no processo.

E se não for possível restaurar tudo?

Se os autos não puderem ser totalmente restaurados, o juiz vai analisar o que foi possível recuperar. Em muitos casos, isso já é suficiente para retomar o andamento do processo. Quando não há material mínimo para isso, o juiz pode extinguir o processo — mas sem julgamento do mérito. Isso significa que a parte ainda pode entrar com uma nova ação, se for o caso.

Processo eletrônico também pode precisar de restauração?

Sim! Apesar de o processo eletrônico reduzir bastante o risco de extravio, ainda existem falhas técnicas que podem comprometer dados. Por isso, mesmo no meio digital, a restauração de autos continua sendo uma ferramenta relevante.

Por que a restauração é tão importante?

Esse procedimento garante que o processo não fique paralisado ou comprometido por problemas materiais. Ele também assegura que nenhum direito seja violado por conta da perda de documentos, respeitando princípios fundamentais como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

A restauração de autos é um exemplo claro de como o Direito Processual Civil brasileiro busca garantir a efetividade da Justiça, mesmo diante de situações imprevistas. Ela protege o andamento do processo e, principalmente, os direitos das pessoas envolvidas.

Se você é advogado(a) ou atua na área jurídica, é essencial conhecer esse mecanismo e, sempre que possível, guardar cópias de documentos importantes — isso pode fazer toda a diferença num momento de emergência.

 

Fontes:
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3: Processo de Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2021.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: RT, 2022.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
 
 
 

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